terça-feira, 5 de abril de 2011

Palavras

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"Palavra minha
Matéria, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra" 

(Chico Buarque)


Minha avó costuma dizer que palavra tem força. Mas qual força tem, quando não convertida em direito e em dever a obediência? A força é um poder físico, e se quer posso imaginar que moralidade possa resultar de seus efeitos. Ceder a força é ato preciso, e não voluntário, ou quanto muito prudente: Em que sentido pode ser uma obrigação? 
Concordo ainda mais com o simpático Rousseau, a força não produz direito. Logo creio eu que palavras são a maior antítese existente, se assim me permitem expressar. Elas são causa, feito e efeito, são o querer, poder, certeziar, e duvidar. É permitir e obrigar, esquecer e sentir, é ter e saber, é observar e ouvir. Bom... O texto que segue não é essencialmente fácil de se compreender, muitas palavras implícidas, diria... Enfim... Esse é apenas mais um dos devaneios sem muito brilho dessa mente quase sã de quem vos fala. Fiquem à vontade...


Palavras

Vê, revê e não enxerga. 
Teima, sente, logo entende.


Era Dinis e suas flores,
Vicente e suas barcas,
Camões e sua métrica,
Gregório e sua angustia,
Magalhães e seus suspiros.


Era Basílio e o Uruguai,
Johann e o suicídio,
Era miséria e Victor Hugo,
Garrett e seu não amor,
era Júlio e João,Também José
E sua virgem dos lábios de mel. 

Era Azevedo e seu anjo lindo,
dançando a valsa de Casimiro.
Era Castro e o navio,
Gonçalves e o exílio.


Da senhora ao sertanejo, 
Em cinco minutos, talvez.
Era Brás Cubas e o Casmurro
Rodolfo e sua Rita,
Adolfo e a jornalista.

Era Alberto e seu vaso,
Raso, mas belo,
Tão belo quanto o céu, a terra,
E o mar de Oliveira 
à tarde de Bilac.


Era Baudelaire e seu Vampiro,
Camilo e a viola,
Cisne Negro em seus últimos sonetos
À reprovar Augusto 
e todo seu conhecimento


Era também Euclides e o Sertão,
enfrentando Verner 
E toda sua imaginação.
Era o tic-toc de Longfellow.
Marcando o tempo das sinfonias de Correia
que tocavam as vagas músicas de Cecília. 


Era eu,  pequena roubadora de vidas.
Já fui Iracema e Capitu,
Bovary, Mary e Helena,
Catarina e Julieta,
Já fui Isolda e Colombina,
Emília e Maria,
Alice e Iara,
Antonieta e Maffei,
Inês e Antígona, 
Também atriz de Drummond.


Já quis eu dizer
a Júlia da alma infantil
que ajudasse Lobato com as reinações de narizinho
e que falasse p'ra ele 
Que Abreu mandava lembranças.. 


Pensei eu, 
Que as Rosas de Alphonsus 
E a Poesia de Andrade
Proferiam os délirios de Lispector
e as vontades de Reis e Pessoas*.


E então eu,
Perguntei a Luís Borges, 
E ele disse: "Sou",
A Flor Bela, e tal disse: "Não sou"
Responda-me então William,
será ao menos essa a questão?


(à terminar)


* Vale ressaltar que o verso se refere à um dos heteronomios de Fernando Pessoa, Ricardo Reis. 

Mika Mendes